terça-feira, 16 de agosto de 2016

Do Coração...

Num dia qualquer, após uma jornada de trabalho um homem cansado tenta relembrar sua própria história... Um homem vivido, já passado de seus 50 anos, mas com um coração ainda jovem e cheio de sentimentos.

Ele começa pensando nas coisas que viveu, nas aventuras de sua juventude, e na maior história de amor do sua vida, e ao pensar nisso, ele sente os tentáculos gelados do destino e da morte pairarem sobre sua cabeça, e congelarem seu corpo, lhe dando a sensação de tristeza, e enchendo-o de desânimo. Como se uma onda estivesse por destruir repentinamente toda sua vida, como se um verdadeiro furação começasse a destruir tudo por onde quer que passe, tudo o que ele construiu e tudo o que ele viveu...

A primeira memória que ele tenta evocar e a do início de sua maior aventura... Se apaixonara por um rapaz mais jovem. Um jovem, filho de um amigo da família, de apenas 17 anos. Ele, um homem feito, se entregando as deliciosas brincadeiras de sedução de um jovem inexperiente que só queria saber de brincar e de se divertir. Ele poderia ter fugido, já havia feito isso durante toda sua vida. Fugira de seus sentimentos, fugira dos seus desejos mais íntimos e obscuros. Mas daquela vez fora diferente, aquele jovem, apenas uma criança comparada a ele, conseguira superar seu juízo. Consegue lembrar-se como hoje, num dia claro, a família reunida numa casinha do interior e os dois ali sozinhos, caminhando pelo campo, acompanhando o cercado do terreno, quando o jovem começa sua doce provocação. Em pouco tempo ele se vê completamente aturdido, sem entender direito o que acabara de acontecer, só sabe que, acaba de fazer algo maravilhoso e ao mesmo tempo terrível. Mas naquele momento, ao tocar os braços fortes do jovem rapaz e olhar bem no fundo de seus olhos verdes, enquanto nota seu cabelo voar com a leve brisa como lindos fios de ouro, ele se esquece de que é um homem feito, esquece dos problemas que aquele momento de entrega à luxúria pode lhes causar. Apenas se entrega. Se entrega ao prazer. Se entrega ao seu amor. E é nesse amor, repleto de ternura e prazer que ele deixa-se perder-se, perder-se completamente, até que...

A onda finalmente chega! Como um tsunami destruindo tudo aquilo que encontra pela frente... As consequências da descoberta de seu desvario são desastrosas. Nosso amante vê então seu casamento, e sua carreira, ambos fracassados e arruinados pela nóticia que logo se espalha: um dos homens mais respeitados do lugar cometera terríveis pecados com um jovem rapaz. Certamente pensaram que ele seduzira esse rapaz, que sua natureza bestial e pecadora tenha sido a causa da lasciva corrupção do puro anjo. Ele tenta fugir, tenta se esconder, mas onde quer que vá, as ondas de seu passado o perseguem, o derrubam, o maltratam. Seu coração dói e grita pois, naqueles breves momentos em que teve aquele belo rapaz em seus braços ele experimentara mais alegria e gozo do que em toda sua vida. Mesmo em meio ao desespero ele ainda consegue tocar as curvas acentuadas daquele lindo corpo, ver o brilho profundo daqueles olhos e o reluzente dourado brilhar mais que o próprio sol por entre seus dedos.

Mas sua vida já fora destruida completamente. Sua esposa o abandonou, levando consigo todos os pertences que adquiriram juntos, deixando-o na completa miséria. E tudo o que lhe restou fora seu talento para continuar a escrever música e as doces recordações daqueles momentos de mais puro delírio. Dalí surgira seu maior amor, ali, nos braços daquele jovem de ouro, ele conhecera o real significado daquilo que ele cantara a vida inteira: o amor. Mas mal conhecera e o tivera arrancado de si. O menino fora para longe e por mais que tentasse, não conseguiu sequer pistas de seu paradeiro por um longo tempo, e depois que conseguira finalmente fazer contato, teriam de viver apartados do do mundo pelo resto de suas vidas. Amando-se as escondidas. Ele, um homem que já fora grande, mas que hoje tenta apenas sobreviver e o jovem, uma criança ainda no início de sua vida a aproveitar o prazer que seu corpo pode lhe dar, também começa a aprender sobre o amor.

Ah... o amor! Numa noite fresca nosso herói apaixonado se recorda dos momentos felizes que passou ao lado de seu amante. Não mais tenta contar sua história: agora ele a vive novamente. Depois de toda a destruição e caos ele finalmente conseguira começar a reorganizar sua vida. Mudara de cidade, e fora para um lugar tão distante que sua manchada reputação não conseguiu segui-lo. Conseguira se empregar e após muito tempo, voltou a ter contato com o seu amado. Hoje, não mais um jovem inexperiente, somente um boneco nas mãos de seus próprios desejos, não, agora ele também é um homem, e como tal, consegue sentir a evolução de seus sentimentos: da luxuriosa paixão, ao puro amor. Ele também se recorda então dos momentos apaixonados que viveram ao entregar-se um ao outro de corpo e alma. Num quarto de hotel, acompanhado de uma garrafa de vinho, as doces lembranças dançam uma valsa ao seu redor, pontuada pelo carinho e ternura que ambos nutrem dentro de si. Luzes tremulam ao longe, recordando-lhes um baile. Claro, um baile imaginário, feito para celebrar tão belo e majestoso amor. Como se pudesse sentir as mãos firmes de seu amado lhe conduzirem pelo salão, com os olhares orgulhososo da alta sociedade em seu encalço. Um doce devaneio... ora, a sociedade jamais aceitaria o amor de dois homens, ainda mais com uma diferença de idades tão grande! Mas eles aceitam, e isso, embora doloroso, é ainda mais belo e importante que qualquer aceitação externa. A cena do baile termina com um delicado beijo, que acorda nossos heróis.

Parece que a história se repetirá... Ambos, embora ainda juntos, sentem um estranho sentimento crescer no meio deles. Como se a busca pelo prazer as escondidas tenha se tornado uma pequena obsessão. Viver as escondidas, tendo de apresentar ao mundo uma máscara tao difícil de ser composta começa a tornar-se uma prática perigosa. Mas eles ainda estão felizes, e essa felicidade vai se transformando lentamente numa doce euforia inebriada de suor e álcool, transbordante de prazer em seus braços e costas que não transpiram, mas apenas exalam o perfume desse amor. Essa é aquela alegria que não pode ser contida, que deve ser proclamada ao mundo. Gritada a plenos pulmões. Uma alegria que não pode ser encaixotada, mas deve ser posta em cima da lareira, onde todos a possam ver e ali ela possa brilhar e ser vista por todos que ali passem. Mas gritar esse amor tem suas consequências, e enquanto a euforia é enevoada pelos gemidos de prazer, o destino novamente se aproxima das portas daquele quarto para tramar a morte e proclamar o fim daquele amor.

Por enquanto é apenas uma sombra que delicadamente passa por debaixo da porta e, invejoso, admira a cena de tão real paixão. Nunca vira um amor tão grande assim, e nunca testemunhara tamanha entrega e dedicação. Nos perigosos pensamentos do destino, esses dois não podem permanecer unidos, ou logo nada mais no mundo será capaz de detê-los. As paredes são testemunhas desse amor. Os lençóis, depósitos do fruto da entrega e da paixão e o mundo, este permanece adormecido, sem notar que ali, bem ali, duas pessoas se amam com um amor tão poderoso que até o destino reconheceu ser perigoso. E justamente por isso, ele resolve acabar com tal cena. Mais uma vez nossos amantes são separados, mas dessa vez por uma força maior que a dureza do coração do homem e seu medo pelo desconhecido, pelo diferente. Uma rápida e violenta doença rouba o jovem dos braços de nosso herói, que assiste impotente, aos cabelos dourados de seu amado perderem a cor, e a vida se esvair de seus olhos. Ele não consegue se recordar mais de nada... apenas de vislumbres, manchas de um passado tão próximo mas ao mesmo tempo tão inalcansável. Os tentáculos gelados do destino que o redeavam se tornam agora as frias mãos da morte, a fiel companheira do destino, que o conduz a uma profunda depressão, motivada pelo desgosto da morte de seu grande amor.

Novamente em sua cama, mas dessa vez sozinho, por entre lágrimas que já se secaram e um coração rasgado aos pedaços, noso herói imagina os fortes braços de seu amado lhe rodearem de forma protetora, como sempre fazia ao declarar por ele seu amor. E ali, preso por dentre suas próprias doces lembranças, que se tornaram imensamente amargas e cruéis, ele aos poucos entrega sua vida e se deixa ser recoberto pela fina capa da morte na esperança de, no outro mundo, poder olhar nos olhos de seu amado mais uma vez, de sentir seu toque, de ouvir seu riso provocante e de novamente poderem se amar, dessa vez sem culpa, sem hora parar acabar, sem ter com o que se preocupar. Um outro mundo, onde um exitirá somente para o outro. E assim, concedendo-lhe como que um último desejo, a morte lhe permite chorar pela última vez, vendo lhe rolar grossas lágrimas pelo rosto, enquanto lhe toma a vida. E então, como as lágrimas caem e escorrem lentamente, assim também se esvai a vida daquele que perdeu tudo, e que agora, tem sua alma movida apenas por seu amor, conduzida a outro mundo não pelas mãos da morte, esta apenas lhe ceiara a vida, mas é levado por seu amor, amor este que, ele espera reencontrar um dia na outra vida...

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