quarta-feira, 21 de junho de 2017

Contemplo o devir

 
“Contemplo o devir”

"Diz Heráclito, e nunca alguém contemplou com tanta atenção o fluxo e o ritmo eternos das coisas" disse Nietzsche acerca do pensador antigo... E o que isso tem em relação ao jovem estudante de filosofia da educação que séculos mais tarde estuda os pensamentos de tão grandes homens numa tarde fria de junho? Tudo!

Pois me escondo do mundo onde creio eu estarei livre dos perigos das traições e decepções dos homens para contemplar o devir no meu interior. Não o faço de forma ampla como fizeram meus antecessores mas atrevo-me a incluir-me no mesmo séquito pois assim como eles também busco compreender o que é tão imensamente maior do que eu que nem décadas de reflexão ininterruptas poderiam trazer alguma conclusão. Heráclito não encerrou os questionamentos acerca da origem das coisas, e do conhecimento sobre elas, pelo contrário, apenas deu aos seus sucessores mais material a ser estudado, discutido, avaliado, reestruturado. Assim como eu faço com meu próprio eu, com meu próprio pensamento...

Dizer que estou em constante transformação, em constante mudança, é mais do que uma afirmativa banal, me assusta que precise ser dita, pois creio eu estar incluso no grupo das coisas que existem e que estão em constante mudança, todas elas deixando de ser o que eram e vindo a ser outras coisas. Me ocupo então em questionar o meu próprio eu acerca do que eu serei, do que sou, do que fui e do que poderia ter sido... Começo então minha reflexão perguntando-me o que sou. 

O que sou? 

Quem sou? 

Dei início a uma infantil tentativa de resposta pensando então em características que possam ser usadas para definir a minha essência como pessoa. Definindo então minha essência, definiria minha existência, mas não consegui fazê-lo. Tudo o que me surgiram foram adjetivos e conceitos que hoje possuo ou que um dia tive a graça ou o infortúnio de possuir, mas nenhum deles foi capaz de abarcar a totalidade da minha existência.

A definição de pessoa humana é excessivamente genérica. Sou eu apenas mais um dentre tantos milhões que já existiram e de tantas outras miríades de pessoas que virão a existir? 

Tentei buscar minha essência nas coisas que fiz, mas encontrei uma centena de outras pessoas que poderiam e fazem tudo o que faço, de forma ainda melhor. Ainda que diga que nenhuma delas faz tudo o que faço da forma como faço, cairia novamente numa definição genérica que pouco ou quase nada diz sobre mim. 

Não descarto, no entanto, essas primeiras informações, pois penso que possam elas me ser úteis num futuro próximo, quando penso em unir a ambas as categorias, a de pessoa humana e as características de tal pessoa humana, e o resultado me é mais satisfatório do que quando as observo isoladamente.

O fato é que costumamos (no caso eu mesmo, apenas colocando a culpa no todo para me eximir de tal pecado) a considerar a totalidade da existência humana como infinitamente complexa por preguiça de considerar tal totalidade. O mesmo para o universo. 

Admito que a escolha da palavra "preguiça" seja resultado da preguiça de buscar uma mais adequada, ou talvez da incapacidade de fazê-lo. Mas percebi que os filósofos tendiam a criar conceitos demasiado complexos apenas pelo fato de lhes seria excessivamente dispendioso, para não dizer impossível, debruçar-se sobre o todo, daí se explicaria a necessidade constante que os pensadores tem de esmiuçar as coisas todas do mundo na tentativa de abarcar a sua totalidade. 

Não acho que seja errado fazê-lo, até porque não consigo pensar numa mais eficaz de o fazer, mas penso ser também uma maldição a perseguir os pensadores por limitar os sucessores as amarras criadas pelos predecessores. 

Observo então com cuidado as pétalas da flor da minha existência se partirem a minha frente, e observando os fragmentos tento entender o funcionamento do todo. Uma semente foi lançada a terra, e veio a ser flor, a rosa então existiu o tempo que deveria existir como tal, e então se despedaçou lentamente, voltando a terra, sendo levada pelo vento, e comida pelos vermes, que nutriram a terra e deu origem a uma nova flor...

Seria eu então complexo demais para que eu mesmo possa vir a compreender-me? Ou apenas estou tentando buscar uma maneira mais cômoda de me eximir de tal obrigação? Mas não fui eu mesmo a querer embarcar em tal empreendimento? 

O fato é que a contemplação do meu devir continua! Permaneço imóvel então em meu interior observando as mudanças sofridas pelo meu exterior. Mas não me refiro apenas ao fato de estar envelhecendo, mas agora faço alusão a totalidade do meu ser, o que vive, e não apenas a parcela que pensa, ou a parcela que contempla, mas a totalidade que vivendo, pensa, reflete e contempla. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário