sábado, 24 de junho de 2017

Sereia

Engraçado como quando nos decepcionamos com algo ou alguém sempre culpamos o algo ou o alguém, mas nunca colocamos a culpa da decepção em nós mesmos, que de fato somos os culpados. Não é a primeira vez que me debruço acerca desse assunto, e certamente não será a última, já que o homem é, ao meu nada humilde ver, um ser que vive de decepções. Estamos a todo tempo decepcionando os outros, e sendo decepcionados por eles. 

A lógica das decepções é até bem simples: depositamos em determinada pessoa uma confiança, uma expectativa de que ela corresponderá aos nossos valores e conceitos, e então quando ela demonstra sua verdadeira face, nos decepcionamos. 

Acabei de notar que essa é uma abordagem um tanto quanto Kantiana da decepção, em que a culpa da mesma está no decepcionado e não em quem causou a decepção, mas não é bem assim, ambos tem culpa... Claro que uma parcela é culpa de quem decepciona, as pessoas sabem ser bem ruins quando querem, e não é pouco, elas são ruins pra valer. Mas acredito que na maioria das vezes a culpa é nossa, por depositar uma expectativa que tal pessoa não seria capaz de corresponder. 

Recentemente (no fim de semana passado, para ser mais específico) passei por uma experiência que me fez refletir sobre isso. Decepcionei alguém e fui decepcionado também...

Ele esperou demais de mim, e eu não chego aos pés do que ele espera como pessoa, e nem como amigo, muito embora tenha motivos para acreditar que ele assim me chama apenas por educação, e não por considerar de fato a minha amizade. Esperava que fosse um religioso intelectual, mas ele viu que meus pecados são ainda mais escandalosos do que ele acreditava que fosse, e isso o assustou. Ele queria alguém equilibrado, inteligente, que fosse discreto... Mas eu não sou assim, nem de longe. Decepcionou-se então comigo quando descobriu que na verdade sou apenas um desequilibrado, carente... Um esquizofrênico psicótico com uma patológica necessidade de atenção, que constantemente passa por surtos de depressão e ansiedade, implorando pelo amor e o carinho dos outros...

Também esperei demais dele... Acreditei tão devotamente em sua santidade que teci com minhas próprias mãos um véu de perfeição que encobria sua verdadeira face, não tão perfeita assim. Busquei um amigo compreensivo, carinhoso e amável e encontrei na um monstro violento, de olhos frios e cruéis, se escondendo na armadura dourada do cavaleiro de meus sonhos. O cavaleiro que eu acreditava que iria me resgatar da escuridão na verdade me apunhalou por trás, e me lançou de volta a mesma escuridão.

Só escuto agora os seus passos distantes, enquanto ouço também a chuva cair no chão, tornando em lama o lugar onde caí, e essa mesma chuva se mistura com meu sangue, espalhado pela podridão da confiança que depositei nele.

Reconheço que a culpa é também minha, embora não o seja inteiramente. Reconheço que errei, em confiar demais, em acreditar demais. Também errei em sentir demais, em querer demonstrar demais, e foi isso que o enfureceu e o fez se voltar contra mim... Como me arrependo de tudo isso! Nesse momento me arrependendo de tanta coisa, mas especialmente de não ter tirado minha vida quando tive coragem, e de ter ouvido sua doce voz, que não queria me salvar mas me conduzia para o abismo do sofrimento. Como uma sereia ele me fez segui-lo até o local onde me acorrentaria, e onde me torturaria... A morte agora não é mais uma possibilidade, pois fui contaminado pela esperança que seus olhos injetaram em minha alma, esperança essa que agora jaz apodrecida em meu coração. 

Por um lado estou contente de ter visto sua verdadeira face, pois poderia ter sido ainda pior, se nossa amizade de fato tivesse se tornado estreita, próxima, o que felizmente não aconteceu. Mas não poderia ser diferente, e a decepção imprimiu em meu ser um profundo sentimento de dor, de culpa, e de desesperança. 

Meu Cavaleiro Dourado morreu, restou apenas a Sereia, o demônio que me seduziu e que me prendeu nos abismos de seus infernos para ali me torturar. Me fez crer estar mergulhando em um mar de amores quando caia num oceano de terrores. O que farei agora eu não sei... Não há ninguém que possa chamar, nem sequer para o meu anjo eu posso rezar... Só me resta ficar aqui, contemplando a escuridão e a frieza do coração que amei, e esperar, pelo dia em que a morte de fato venha me visitar...

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